Jovita Cordeiro
“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12) ou, ainda, “Amarás o próximo como a ti mesmo” (Mc 12,31) são as respostas que Jesus dá ao escriba quando questionado sobre o maior de todos os mandamentos ou no diálogo com os apóstolos.
Na carta de São João, também podemos ler: “Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é amor” (I Jo 4,8). Portanto, o amor é o fundamento para nosso relacionamento com Deus e com os irmãos. O Senhor nos revela que o essencial é o amor. Entretanto, mesmo que não houvesse revelado, percebemos em nós uma profunda necessidade de amar e sermos amados, desde o nascimento até o último dia de vida. Esse desejo está inscrito, de forma indelével, no coração de cada ser humano que veio a este mundo. É através do amor que nos sentimos ligados uns aos outros e a Deus.
Por meio da narrativa da criação, podemos compreender como Deus nos gerou necessitados do amor: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (Gn 1,27). Então, qual palavra descreve melhor a imagem de Deus? São João, em sua primeira carta, acrescenta: “Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele” (I Jo 4,16). Portanto, nosso coração não encontrará descanso enquanto não corresponder à imagem amorosa do Criador inscrita em cada um de nós.
Com o pecado original, entretanto, o ser humano rompeu a determinação divina, pretendendo a igualdade e não a imagem e semelhança. Como consequência, foi expulso do paraíso, não antes de ter se escondido da presença de Deus. Sem a presença divina, faltou-lhe a referência da imagem. Agora já não se reconhecia mais, nem sabia mais quem era nem com quem se identificar, embora, em seu coração, permanecesse sempre presente a necessidade de buscar o amor.
Surpreendentemente, Santa Teresa compara a alma do justo ao paraíso, onde Deus diz ter suas delícias. Deus foi “esconder-se”, por assim dizer, na alma do homem – lugar insuspeito –, e fez aí seu paraíso na terra. Agora, para estar na presença de Deus, deve-se fazer o caminho para dentro de si e, assim, experimentar a plenitude do amor. Mas, para fazer essa viagem para nossa interioridade, é necessário saber quem somos, a nossa história e a nossa destinação; não somente na dimensão humana, mas na espiritual também. De certa forma, a história da criação se repete em cada um de nós nessas duas dimensões.
O ser humano é gerado no ventre materno, tendo aí seu primeiro paraíso na terra. Ao ingressar no mundo, experimenta, de certa forma, a expulsão do paraíso. A partir desse momento, a criança começa a jornada em busca do amor e de uma identidade, que só poderá se concretizar plenamente quando descobrir-se como imagem de Deus, tomando Cristo como imagem e semelhança perfeita do Pai e, consequentemente, do amor.
No início da vida, suas primeiras experiências amorosas se darão na relação com os pais, os irmãos e os familiares próximos. Entretanto, sua relação primordial é com a mãe. Seu desejo é experimentar, com ela, a plenitude do amor inscrito em sua alma, mas esse tipo de amor pai e mãe não podem dá-lo. O ser humano imperfeito só pode amar imperfeitamente, porém a criança ainda não compreende isso nem é capaz de conceber que Deus é a fonte do pleno amor. Buscará, então, saciar sua sede de amor com a imperfeição do amor humano, caminho certo para a frustração. Inaugura-se, assim, a carência afetiva, espaço vazio entre o que a criança deseja e o que recebe.
Essa falta ou essa carência é própria da condição humana. Todos fazemos a experiência do vazio e do desejo de preenchimento, ao longo da vida. Na verdade, é este desejo de plenitude amorosa que impulsiona todos a se relacionarem uns com os outros e com o mundo, na tentativa de se preencherem. Nesta procura, encontram-se apenas amores substitutos e imperfeitos, que serão incapazes de suprir esta carência do divino amor.
Além da carência habitual, há duas formas que são muito prejudiciais ao ser humano. A carência resultante do excesso de amor e outra, da falta. O estado fusional entre mãe e bebê, vivido a partir do período da gestação, é normal e faz parte de uma gravidez saudável. Ele vai diminuindo à medida que o bebê vai se desenvolvendo, podendo permanecer por volta de um ano e meio após o nascimento da criança. Neste período, a mãe e a criança formam uma unidade. A mãe esquece-se de si mesma e dedica seu tempo e seus pensamentos em cuidar de seu/sua filho(a). Por outro lado, o bebê necessita desses cuidados e carinhos para desenvolver a noção de uma identidade e personalidade diferenciada da mãe.
Entretanto, pode acontecer de esse estado de fusão entre ambos durar ao longo de toda a vida. Nesse caso, mãe e filho(a) permanecem misturados em suas identidades. A criança fica impossibilitada de saber quem é, do que gosta etc. por si mesma e, muitas vezes, torna-se incapaz de construir, na vida adulta, seu próprio caminho e uma independência saudável. São adultos com grande dificuldade de se responsabilizarem por seus atos, e quando o fazem, buscam sempre a aprovação de outrem.
Geralmente, esse tipo de relação é visto e vivido como algo positivo pelo par amoroso, afinal, amor nunca é demais. Contudo, esse tipo de “amor excessivo” não permite que a criança seja vista como um ser independente, o que traz uma individualidade e uma identidade próprias, mas como um prolongamento da identidade materna. A criança fica privada e carente de ser amada por aquilo que é. Por falta da diferenciação, nega-se a ela seu próprio ser, sua independência. Sem saber quem é, também não consegue reconhecer o outro em sua individualidade. No final, vive a falta do amor verdadeiro.
Na maioria dos casos, o estado fusional resulta do encontro de duas condições básicas: primeira, da dificuldade do pai em proporcionar a separação simbólica entre mãe e filho(a), sem conseguir se interpor na relação entre ambos; segunda, da tentativa da mãe de preencher sua própria carência nessa relação com o filho. Sem a intervenção paterna, torna-se muito difícil realizar a “desfusão”.
Não é difícil identificar adultos que tentam permanecer nesse tipo de simbiose. Em suas relações pessoais ou quando inseridos nos grupos, buscam, com frequência, relacionamentos fusionais. São bastante sensíveis e se melindram por pequenas coisas. Desejam que o grupo se curve às suas vontades e sentem-se rejeitados caso sejam contrariados. Permanecem emocionalmente imaturos e dependentes. Pela imaturidade, têm dificuldade de assumir responsabilidades. Desejam fazer do grupo ou da relação, de certa forma, seu útero materno.
Sabe-se, atualmente, por meio da psicologia pré-natal, que a carência pode ser agravada por experiências traumáticas vividas antes mesmo do nascimento, na fase intrauterina. Essas feridas são as mais primitivas, portanto, as mais difíceis de ser superadas. Pela união física entre mãe e bebê é possível, para a criança, perceber o estado emocional da mãe. As alterações fisiológicas que o corpo da mãe apresenta são notadas pela criança como sinal de acolhimento ou rejeição, afinal, nessa fase, os dois são uma só carne.
Crianças amadas e desejadas pelos pais tendem a ser mais seguras e alegres. Por outro lado, uma mãe sempre triste, preocupada ou que rejeita seu bebê pode afetar o/a filho(a) de forma negativa, resultando em sentimentos de inadequação, agressividade e insegurança, que, muitas vezes, acompanham a pessoa ao longo de toda a vida.
Por outro lado, temos a carência gerada pela falta de amor. Situações de abandono, gravidez indesejada, problemas conjugais ou o não acolhimento podem fazer com que a criança não receba o amor que é necessário para seu desenvolvimento saudável. A falta de experiências amorosas suficientemente boas nos primeiros anos de vida gera uma angústia de morte. Experiências assim causam uma enorme sensação de medo e insegurança na criança. Na maioria dos casos, buscará a autoproteção, fechando-se em si mesma.
Na esfera da falta de amor, é comum a pessoa ter uma percepção muito negativa de si. Talvez chegue à conclusão, muito prematuramente, de que se não é amada é porque algo lhe falta, algo está errado consigo: não é bonita, não é inteligente, só é capaz de trazer problemas e infelicidade. A falta inaugura a sensação de vazio, de incapacidade e de culpa, que pode levar a uma tentativa de preenchimento com uma doação excessiva aos outros; um desejo imenso de ajudar, mas uma incapacidade enorme de receber ajuda, amor, atenção e afeto de quem a rodeia. São pessoas preciosas nas comunidades pela capacidade de doação, mas, às vezes, com grandes dificuldades de relacionamento. Ao se verem ameaçadas por qualquer sensação de abandono, reagem com agressividade, expressa em gestos e palavras. Essas pessoas, pelo medo e por essa visão negativa de si, sentem-se incapazes de assumir responsabilidades por se verem sem talentos ou imaginar que tudo se lhes dará errado.
Em ambos os casos, para superar essa condição, é necessário que a pessoa possa experimentar o processo de cura de suas feridas. A cura da carência deve se dar tanto na esfera humana quanto na espiritual, pois essas feridas acabam alterando a relação do adulto tanto com os seus pares quanto com Deus. Ela pode projetar sobre Deus as mesmas relações que teve com seu pai ou sua mãe, pois para uma criança o seu Deus é, a princípio, seu pai e sua mãe.
Não se pode correr o risco de querer suprir esse tipo de carência ou de atender às expectativas de amor dessas pessoas. Somente Deus pode fazê-lo, pois Ele é a fonte curativa do amor. Caso contrário, nos colocaremos no lugar de Deus. Por isso, deve-se conduzi-las à experiência de um novo nascimento, de uma nova filiação e, assim, encontrarão a liberdade de ter sua própria imagem diferenciada da de seus pais.
Como adulto, o indivíduo deverá abandonar suas defesas de criança e descobrir-se como filho de um Pai Divino, que traz em si a capacidade de dar e receber amor. Sem essa experiência amorosa não poderá dar amor, pois não se pode dar aquilo que não se tem. Somente nesta descoberta da plenitude do amor de Deus se verá capaz de amar ao próximo como a si mesmo. Descobrirá dentro de si a imagem de Deus, que o capacita a dar e receber amor.
Para São João da Cruz, é próprio do amor produzir a semelhança: “Quanto maior a afeição, maior a identidade e semelhança, porque é próprio do amor fazer do que ama semelhante ao amado”.
REFERÊNCIAS:
CRUZ J. Obras completas. 3 ed. São Paulo: Editora Vozes, 1991.
JESUS T. Obras Completas. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
LA BARBERA EMP. Um caminho de Descoberta de mim mesmo. Aparecida: Editora Santuário, 2012.
PACOT S. A Evangelização das Profundezas. Aparecida: Editora Santuário, 2001.