“Harmonia perfeita entre oração e vida”
“Os Santos
são homens e mulheres que se entranham profundamente no mistério da oração.
Homens e mulheres que lutam mediante a
oração, deixando rezar e lutar neles o Espírito Santo; lutam até ao fim, com todas as suas forças;
e vencem, mas não sozinhos: o Senhor vence neles e com eles”. (HOMILIA DO PAPA FRANCISCO, 16 de
outubro de 2016)
Santa Elisabete da Trindade, considerada a “santa do
silêncio”, já aos 15 anos sonhava,
em suas poesias, com solidão, em companhia de seu Cristo: “Viver contigo, solitária”. (cf. Poesias, agosto de
1896). Aos 19 anos anota no diário: “Brevemente
serei toda Tua, viverei na solidão, só contigo, só me ocupando de Ti, vivendo
apenas de Ti, conversando unicamente contigo”. (Diário. 27 de março de 1899). Sua
maior felicidade no verão, quando estava no campo, era retirar-se para os
bosques solitários. Desde a entrada, a solidão carmelitana encantou-a: “Só com
o Só”, eis toda a vida do Carmelo. Em Carta
escrita à Sra. Angeles a 29 de setembro de 1902, dirá: “A Carmelita é
uma eremita contemplativa, cuja pátria é o deserto de Carith e o abrigo, a
cavidade do rochedo. Não é que esqueça as almas que se perdem — foi o
espetáculo dos estragos causados pela heresia luterana que determinou Santa
Teresa a fundar sua reforma — mas, o testemunho que ela deve dar a Deus é o da
anacoreta cujo olhar permanece fixo n’Ele, só esquecida de tudo mais. Atestado
silencioso, mas quão comovente, de que só a Beleza divina merece a atenção duma
alma elevada pela graça até o consortium da vida trinitária. Só Deus
basta. Sua ação apostólica é a da oração que obtém tudo. Uma só alma que se
eleva até a união transformante é mais útil à Igreja e ao mundo do que uma
multidão de outras que se agitam na ação”.
Santa Elisabete da Trindade é uma verdadeira
mestra e guia na vida de oração, sua espiritualidade é um convite a que nas
nossas vidas encontremos um espaço e um tempo para estar a sós com Deus. É
preciso parar, fazer silêncio, escutar e responder a Deus que continuamente se
revela. A atitude de fé implica necessariamente um escutar e um responder à
revelação de Deus e só na medida em que na vida quotidiana assumimos esta
posição é que vivemos plenamente, pois o homem foi criado para viver em
comunhão com Deus. A oração para Isabel é porta da intimidade com Deus, mas
também o ponto de encontro com todos os que ama, mesmo que se encontrem
distantes e a sua forma de apostolado por excelência. Para ela oração e vida
identificam-se completamente. Há uma harmonia perfeita entre oração e vida, e a
vida é por si só motivo suficiente para rezar ao Criador. Por outro lado, rezar
é viver, pois é a oração que lhe permite ter acesso à intimidade com Deus que é
a Vida. Ela ama a Deus e vê Deus em tudo e em todos, através de tudo e de
todos. As montanhas, o mar, a natureza em geral, a música, tudo lhe fala de
Deus e tudo é motivo para ela orar. “A
natureza conduz a Deus. Entusiasmavam-me tanto essas montanhas! Elas me falavam
d’Ele”. (C 87)
No Carmelo, onde tudo está orientado para
possibilitar esta vida de oração, Elisabete encontra o espaço ideal para a sua
sede de Deus. Mas a sua oração no Carmelo não se limita apenas às horas
dedicadas à oração e à participação na recitação do Ofício Divino. “Amo-O apaixonadamente e tudo possuo n’Ele,
contemplo as coisas e realizo tudo sob a sua irradiação divina”. (C 128) A
sua vocação contemplativa significa que a sua vida está orientada para Deus.
Não está afastada da realidade da vida, mas todas as atividades – trabalho,
convívio, amizade, estudo, descanso – são realizadas com a presença da oração.
Ela ama e por isso em tudo o que faz está refletido o seu amor e a oração é a
concretização desse amor. Vida e oração caminham juntas tornando-se numa só,
pois a oração para ela é um estado de vida. Ela vive orando e ora vivendo. “Mestre, que a minha vida seja uma contínua
oração. Que nada, realmente nada, me possa distrair de Ti, nem as minhas
ocupações, nem os prazeres, nem o sofrimento. Que eu me abisme em Ti, que tudo
faça sob o Teu olhar. Mestre, toma-me, toma-me inteiramente.” (D 156). Ela
lê, medita, acolhe, reza e vive a Palavra de Deus. É na Bíblia que ela busca o
alimento para a sua vida espiritual e para a sua oração. É na leitura meditada
e rezada da Palavra de Deus que santa Elisabete da Trindade descobre a sua
vocação de “louvor de glória”. Este aspecto foi salientado pelo Papa João Paulo
II na sua homilia da missa da beatificação de Isabel. “À nossa humanidade desorientada que já não sabe encontrar Deus ou que
O desfigura, [...] Isabel dá o testemunho de uma abertura perfeita à Palavra de
Deus que ela assimilou a ponto de alimentar verdadeiramente a sua reflexão e a
sua oração, a ponto de encontrar nela todas as razões de viver, e de se consagrar
ao louvor da sua glória”. (Homilia de João Paulo II por ocasião da
beatificação de Isabel da Trindade em 24.11.1984) Sua oração é necessariamente
uma oração trinitária, sente-se habitada pela Trindade. Ela sabe que não está
só, mas que a sua alma abriga um Hóspede Divino, vê-se claramente na sua oração
“Elevação à Santíssima Trindade”,
oração essa toda dedicada à Trindade Santa e que constitui uma pérola da
mística cristã.
Com seu
coração ferido pelo infinito, santa Elisabete viveu o grande silêncio no exílio
do Carmelo. Na Trindade mergulhada viu se entreabir a imutável beleza de Cristo.
Suas experiências interiores e exteriores se traduziram em dois elementos fundamentais que constituem
a essência de toda santidade: o desapego
de si mesmo e a união com Deus. Elementos estes que se encontram, de
maneiras diferentes, na vida de todos os santos, e que podem nos levar ao
crescimento na intimidade com Deus, e nos conduzir à santidade. Façamos de sua
poesia nossa meditação, nos colocando sob sua intercessão.
O Coração ferido pelo
infinito (1902)
“Não se
pode dar uma grande prova de amor
Senão
dando a vida por Aquele que se ama…
Não
percebes o grande silencio,
O hino de
amor que se canta lá no alto?
Irmã,
esqueçamos o exílio e o sofrimento
E que
nossos corações saúdem este dia tão belo!
Não vês o
esplendor esterno,
A Trindade
que se debruça sobre nós?
O Céu se
entreabre: escuta… chamam-nos…
Recolhamo-nos,
minha Irmã, eis o Esposo!
Não Vês a
nuvem luminosa
Que até
nós projeta sua claridade?
Ah,
permaneçamos lá completamente silenciosas,
Fixando a
Imutável beleza!
De nosso
Cristo o olhar se clarifica
Ao
imprimir a pureza de Deus.
Irmã,
permaneçamos, para que Ele nos deifique,
A alma em
sua alma e os olhos em seus olhos.
Ele vem,
Ele próprio, diante das virgens
Para lhes
dar o inefável beijo.
Ele passa
aqui, Sua sombra nos protege.
Olhemo-lO
para nos virginizar.
Ele é tão
belo, o Cristo, Esplendor do Pai,
Iluminado
pela Divindade,
Ele é, Ele
próprio, uma fogueira de luz
Envolvendo
os seus em Sua Claridade.
Amemos
minha irmã, e que tudo desapareça.
A alma
amando se identifica a seu Deus.
Não
esperemos que sua glória apareça
Para
contemplar como os bem-aventurados!
Ele está
em nós, nós temo-lo por sua graça,
E como no
Céu já O adoramos!
Mas logo
ao contemplar Sua Face,
Seu Nome
divino brilhará sobre nossas frontes!
Quando,
então, será o fim da espera?
Quando
poderemos, enfim, nos imolar?
Esperando,
sejamos totalmente adorantes,
Porque
nosso Cordeiro quer nos purificar.
Não
percebes a paixão suprema
De dar ao
Cristo um pouco de seu amor?
Eu quero
morrer, para Lhe dizer: “Eu te amo,
E como tu,
eu me entrego neste dia!”
Santa
Teresa no Céu deve-nos sorrir
Porque ela
também quis fugir um dia.
Deus reservou-lhe
outro martírio,
Ela morreu
Vítima do Amor!
Oh! Como é
belo o martírio das virgens
Aquele dos
corações feridos pelo Infinito,
Tormento
divino em que o amor é a espada!
Dardo
inflamado transpassa-nos também!
Santa Elisabete da Trindade,
Rogai por nós!
Estela da Paz, OCDS.
(Comunidade São José, Petrópolis/RJ).
Comissão de Espiritualidade
Referência:
TRINDADE, Elisabete. Obras Completas. Ed. Vozes, 1993.
PHILIPON, M. M. A Doutrina Espiritual da Irmã Elisabeth da Trindade. Livraria Agir,
1957.