segunda-feira, 7 de março de 2022

COMUNIDADE SÃO JOSÉ – Petrópolis/RJ. Promessas Definitivas – Admissões – Eleições Trienais

 

Promessas Definitivas – Admissões – Eleições Trienais

A Comunidade São José neste domingo, dia 06 de março de 2022, comemorou a acolhida de mais uma Promessa Definitiva e de duas novas Admissões, e realizou suas ELEIÇÕES TRIENAIS para o novo Conselho (2022-2025).

A Santa Missa para o recebimento das Promessas Definitivas de Michele Cristina Maria da Sagrada Face foi celebrada pelo frei Wilson Gomes, OCD (Wilson de São Paulo), nosso Delegado Provincial, seguida das Admissões de Conceição Dias da Silva e Marília Coutinho França, na igreja de Sant'Anna, situada na Paróquia de Nossa Senhora Imaculada Conceição – Diocese de Petrópolis, às 7h da manhã.

Promessas Definitivas:

- Michele Cristina Maria da Sagrada Face, OCDS.

 



Admissões:

- Conceição Dias da Silva.

- Marília Coutinho França.


RECREIO CARMELITANO

Após a Santa Missa,

Café da manhã, com partilha dos pensamentos dos santos carmelitas,

Preparados pelas irmãs da Admissão.



 ELEIÇÃO TRIENAL

Comunidade São José, Petrópolis/RJ. (06/03/2022)

– cf. Documentos OCDS:

1- Sobre as Eleições:

• Estatuto – CAPÍTULO IV 25 - 32

2- Sobre as Funções na Comunidade:

• Constituições 46 – 55; 

• Ratio Instituitionis 30 – 35.

 


Obtivemos como resultado, com a graça de Deus e a ação do Espírito Santo, após um longo período de intercessão por parte da Comunidade, o seguinte resultado:

Presidente eleito:

• Edison de Santa Teresinha.


 Conselheiras:

• Jullia Maria de Jesus.

• Michele Cristina Maria da Sagrada Face.

• Maria Luisa Teresa de Jesus.

Novo Conselho eleito:

 

Encarregada de Formação:

• Estela Maria Teresa de Jesus.

 

Secretária:

• Larissa Ferreira Medauar.

 

Tesoureira:

• Maria Carla Coelho Domingos.

 

 Agradecimentos:

 “Cristo é o centro da vida e da experiência cristãs”

(Const. OCDS 10.29)

 


Conscientes de que, como "membros da Ordem Secular somos chamados  a  viver  as  exigências  de  seu  seguimento  em  comunhão com  ele,  aceitando  seus  ensinamentos  e  entregando-se  a  sua  pessoa.  Seguir  Jesus é  participar  em  sua  missão  salvífica  de  proclamar  a  Boa  Nova  e  de  instaurar  o Reino  de  Deus  (Mt  4,18-19)", e ainda, que  "no  dinamismo  interior  do  seguimento  de  Jesus,  o  Carmelo  tem contemplado  Maria  como  Mãe  e  Irmã,  como  “modelo  acabado  do  discípulo  do Senhor”  e,  portanto,  modelo  da  vida  dos  membros  da  Ordem". (Const. OCDS 10.29)

Agradecemos ao Bom Deus por mais este momento fraterno em nossa Comunidade São José, vividos como marcos históricos que se somam aos festejos dos 10 Anos de Fundação de  nossa comunidade - com mais uma Promessa Definitiva, as Admissões e as Eleições Trienais (2022-2025).

Reiteramos o agradecimento ao frei Wilson, representando aqui todos os frades e o "Centro da Ordem", e na sua pessoa, como nosso Delegado Provincial deste triênio (2020-2022), aos nossos "Superiores religiosos", por nos garantir a concreta da assistência espiritual apropriada [cf. 6]*, para que aqui chegássemos.  Agradecemos a Rose Lemos, a Marisa Ribeiro e a Andrea Nascimento por toda formação a nós destinada, sobretudo no amor fraterno, como base da doutrina do Carmelo Teresiano, contida nos pilares da doutrina de Santa Teresa, nossa mãe.

Agradecemos aos sacerdotes das quatro Paróquias de nossa Diocese, que nos acompanham com seu apoio e amizade, permitindo-nos servir a Deus, mais e melhor, como carmelitas descalços seculares.

Como carmelitas descalços seculares assim, prosseguimos vivendo um perfil muito claro dessa relação fraterna, existente entre nós, segundo nossas Constituições tornando presente o carisma e a espiritualidade carmelitana como estão expressos nas  vidas e nas obras de  nossos Doutores do Carmelo - Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz. (cf. Prólogo das Const. OCDS)

Que o Bom Deus, com Nossa Senhora do Carmo, esplendor e formosura do Carmelo, com São José e nossos pais, S. Teresa de Jesus e S. João da Cruz, possam confirmar a cada dia mais a vocação de todos nós.

 

Estela Maria Teresa de Jesus, OCDS.

Encarregada de Formação,

Comunidade São José -  Petrópolis/RJ.


terça-feira, 1 de março de 2022

QUARTA-FEIRA DE CINZAS, ORAÇÃO E JEJUM PELA PAZ 02 de março de 2022.

 

"... para a diabólica insensatez da violência devemos responder com as armas de Deus: 
com a oração e o jejum."
(Papa Francisco)

ORAÇÃO

Senhor nosso Deus e Pai, neste dia dedicado a súplica pela Paz, em comunhão com a Igreja e o Papa Francisco, como Carmelo nos unimos para rezar, crendo que somente em vós devemos depositar nossa esperança.
Confiamos que sois "o Deus da paz e não da guerra, o Pai de todos... que quer que sejamos irmãos e não inimigos".

Concedei, a Paz Mundial, a Paz para a Ucrânia, para suas famílias e seus filhos, fincando sua Cruz gloriosa sobre suas vidas e seus corações.
Pacificai os corações das lideranças políticas que se encontram dominados pela ganância do ter, do ser e do poder.
Favorecei o diálogo e a concórdia entre os governantes das nações, e sensibilizai a prática dos representantes políticos em busca do bem.
Socorrei com a vossa graça o povo ucraniano que vivem dilacerado pela guerra, e concedei-lhes as condições necessárias para vencerem com fé este difícil momento.
Fortalecei com vossa misericórdia aqueles que sofrem com as enfermidades, as guerras, as enchentes, e toda espécie de perda humana, renovando-lhe e restituindo-lhes a dignidade.
Consolai as famílias enlutadas, infundindo-lhes a fé na ressurreição.

"Jesus nos ensinou que para a insistência diabólica, para a diabólica insensatez da violência devemos responder com as armas de Deus: com a oração e o jejum." (Papa Francisco)
Quanto a nós, Senhor, neste dia de Quarta-feira de Cinzas, encorajados pelo "amor de Cristo que nos uniu", dedicamos nossa oração e jejum pela paz, unidos à Nossa Senhora Rainha da Paz e São José, para que preserve o mundo da loucura da guerra.

“Salve, guardião do Redentor e esposo da Virgem Maria! 
A vós, Deus confiou o seu Filho; 
Em vós, Maria depositou a sua confiança;
Convosco, Cristo tornou-Se homem.
Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida.
Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem, e defendei-nos de todo o mal. Amém.”

Pai nosso...
Ave-Maria...
Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo...
Jesus Cristo, Príncipe da Paz, tende piedade de nós!
Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!
Nossa Senhora, Rainha da Paz, rogai por nós!
São José, rogai por nós!

Comissão de Espiritualidade
(Estela da Paz, OCDS)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

O CASTELO INTERIOR OU AS MORADAS DE SANTA TERESA

 O CASTELO INTERIOR OU AS MORADAS DE SANTA TERESA


Ordem para  escrever

O livro das Moradas ou Castelo Interior de Santa Teresa é considerado normalmente como o melhor dela. Este livro mais que história, tem biografia, mais ainda, autobiografia. Em seu diálogo com Gracian, falando do livro da Vida, este falou à santa: “Faça memória daquilo que lembrar e de outras coisas e escreva outro livro, e diga doutrina em comum, sem nomear a pessoa que tenha experimentado”.

Esse outro livro foi o Castelo Interior. A própria autora contenta com sua obra, gosta mais desta que da outra: a Moradas sobre a Vida e em termos de joalheria, mesmo sendo para ela Vida uma joia, é mais precioso e com mais delicadas pedras preciosas o segundo (Castelo Interior), ou, como ela mesma nos diz: “A meu parecer é melhor o que escrevi depois, apesar de dizer Frei Domingos Bañez   que não é tão bom; pelo menos tinha mais experiência que quando o escrevi”.

A ordem de escrever As Moradas veio de três lugares, do Pe. Gracian, do Doutor Velazque, e do “Vidreiro” maior: Jesus, que por outro lado era seu livro Vivo”.

As condições de saúde que estava passando a Madre eram muito penosas “com ruído e fraqueza tão grande (de cabeça) que ainda os negócios escrevo com pena”. A situação da Ordem era de perigo e Teresa estava confinada em Toledo, como uma prisão. Mas a fortaleza desta mulher faz que tenha equilíbrio para poder escrever coisas grandes. E aquela que levou  tantas fundações sem saúde e no meio de tantas contradições, vai agora construir este seu castelo com a mesma força de vontade.


Tempo de escritura, autógrafo e destinatárias


A hora da primeira pedra e da última é ela mesma quem nos fala: “E assim começo a cumprir ( a obediência que encomendaram) hoje, dia da Santíssima Trindade ano de 1577 neste mosteiro de São José do Carmo em Toledo onde me encontro”. Isto no prólogo. Na conclusão do livro: “Acabou-se de escrever no mosteiro de São José de Ávila, ano de 1577, véspera de Santo Andre (29 de novembro), para a glória de Deus que vive e reina por sempre jamais, amém” (7M,conclusão 5)   

Total de seis meses menos dois dias, desde que começou a escrever até o final. Um par de vezes, ao menos, fala de interrupção na escritura, “porque os negócios e a saúde me obrigam a parar” (4M 2,1) e em outro lugar dirá: “passaram quase cinco meses desde que comecei até agora, e, como a cabeça não está boa para torná-lo a ler, todo deve ir desbaratado, e por ventura falei algumas coisas duas vezes” (5M 4,1). Volta sobre o manuscrito e termina a obra em 29 de novembro.

E uma vez concluído o livro, dá “por bem empregado o trabalho, apesar de que confesso que não foi muito”. O autógrafo das Moradas se encontra no mosteiro das carmelitas descalças de Sevilla desde outubro de 1618. Em 1622 foi levado em procissão pelas ruas de Sevilla por ocasião das festas pela canonização da autora. E a última e mais prolongada saída do manuscrito foi até Roma em 1961, onde foi restaurado pelo “Instituto Ristauro Scientifico do livro” do Vaticano e o “Instituto di Patologia do livro” de Itália. Voltou a Sevilla em 1962 e ali se conserva no convento das descalças, em um relicário bonito: as muralhas de Ávila, que se converteram em castelo para encerrar e custodiar o autógrafo do Castelo Interior. Idéia do Geral da Ordem naquela época Padre Anastásio Ballestrero. 

As destinatárias primeiras são suas monjas, como disse na “dedicatória”: “JHS. Este tratado, chamado Castelo Interior, escreveu Teresa de Jesus, monja de nossa Senhora do Carmo, a suas irmãs e filhas as monjas carmelitas descalças”.

Destinatário da obra é também todo fiel cristão, candidato à santidade desde seu batismo.


Visita ao Castelo


É a autora que nos vai guiando desde uma de suas confissões primeiras. Está com a pena na mão vendo como poderá começar a escrever e “se me ofereceu o que agora vou dizer para começar com algum fundamento, que é; considerar nossa alma como um castelo de um diamante ou claro cristal onde existem muitos aposentos, assim como no céu há muitas moradas (Jô 14,2; que),se bem consideramos irmãs, não é outra coisa a alma do justo senão um paraíso onde disse que tem seus deleites.” ( Prov. 8,31) (1M 1,1)

Desde esta perspectiva, sem nenhuma complicação, entendemos qual, aliás, quem é para ela o castelo interior: a pessoa humana, e vemos como está deixando-se iluminar por esses dois textos bíblicos, de João e de Provérbios.

Para organizar a leitura, o estudo de obra tão importante como esta, para assaltar este Castelo (se me permitem usar a frase) tem se publicado já faz tempo “um grande trabalho no qual se analisam com lupa os núcleos básicos da simbologia Teresiana, os eixo temáticos de cada uma das moradas, o itinerário léxico da interiorização, o caminho à construção simbólica da interiorização mesma” (Montserrat Esquerdo Sorte).

Este tipo de estudo e de leitura não é fácil para a maioria dos leitores do livras das Moradas. Porém temos ao alcance das mãos uns esquemas simples, mas fácil de compreender. Nesta elaboração entram elementos doutrinais básicos, nos quais se inter-relacionam os dois protagonistas: Deus e o homem. Deus que vive e atua, e se comunica dentro. O homem (a alma) como cenário e protagonista da aventura espiritual. E a oração, que é a ponte de comunicação entre Deus e a alma. Aqui surge a ideia, o conceito de “moradas”.

Teresa divide a obra O Castelo em sete moradas, mas ela mesma avisa: “não considerem poucas peças senão um milhão” (2M 2,12), e mais claramente: “Mesmo se tratando só de sete moradas, em cada uma delas tem mais: em baixo e alto e a os lados” (7M conclusão três).

Prescindindo da compreensão do castelo no qual se encontram e se veem e se pode visitar e recorrer os diversos aposentos, estâncias, quartos, moradas, temos que lembrar que a alma é a que tem em si mesma as diversas ou diferentes moradas, as leva consigo, é considerada como dividida em sete moradas, sem prejuízo de que essas sete se convertam em setenta vezes sete, isto é, em inumeráveis.

Isto fica iluminado pelo que disse nas Fundações 14, 5: “Quanto menos tenhamos aqui, mais gozaremos naquela eternidade, onde são as moradas conforme o amor com que tenhamos imitado na vida de nosso bom Jesus”. Esse além já está presente no momento em que começa a escrever: “Onde há muitos aposentos, assim como no céu existem muitas moradas” (1m 1,1). Aqui sentimos o sussurro do passo evangélico, mesmo sem mencionar: “Na casa de meu Pai tem muitas moradas” (Jó 14,2).

O percurso pelo Castelo se torna fácil e prazeroso da mão da autora. Lendo devagar o prólogo, se deixe levar o leitor pelos títulos dos 27 capítulos que tem o livro. A Santa tem uma habilidade singular para sintetizar nesses epígrafes o que quer dizer. Mais ainda, como parece seguro, que os títulos estão escritos depois de relatado o texto, é dupla a habilidade sintetiza Dora e clarificadora da autora.     

Terminada a leitura dos 27 títulos, ponha atenção o leitor na Conclusão, especialmente nos nº 2 e 3, onde a Madre deposita uma vez mais critérios de vida e de leitura que foi semeando ao longo do livro.

Outro método simples para ir fixando na mente a doutrina do Castelo Interior consiste em atender à sustância bíblica que a Santa move em cada uma das moradas. Falamos sustância bíblica integrada de textos, de tipos, de personagens, de motivos bíblicos.

Podemos ver como exemplo nas Segundas Moradas, onde encontraremos:

1. -Textos: “Quem anda no perigo nele perece” (Si 3,26); “não sabemos o que pedimos” (MT 20,22); “sem sua ajudo não podemos fazer nada” (Jô 15,5); “a paz esteja convosco” (Jô 2, 19. 21)

2.-Tipos bíblicos: o filho pródigo, perdido e comendo manjar de porcos (Luc 15,16); e os soldados de Gedeon quando iam à batalha (Ju 7, 5-7)

3.-Textos e motivos ao mesmo tempo: “Nenhum irá ao Pai senão por mim” (Jo 14,6); “quem me vê a mim vê a meu Pai” (Jo 14,19).

Este fio condutor é fácil de seguir e mui útil ao longo de todas as moradas. Não podemos esquecer tampouco algo que ela usa muito: o mundo de seus símiles, exemplos ou comparações, que em sua pedagogia faz com que se pareça a Mestre. Um dos exemplos completos é a comparação do Castelo: 1M 1,3. Este símile não é exclusivo ( não em seu espírito e na sua pena )das Moradas já tem usado no Caminho: CV, 28, 9-12; CE 48, 1-4; em Caminho não usa a palavra “castelo”, senão “palácio”, mas a sustância é a mesma. Outro exemplo de comparação, e talvez o melhor, o do verme de seda: (5M 2, 1-10).

O tema por assim dizer, a realidade da oração, está presente em todo o Castelo como fio condutor. A presença da oração está bem claramente exposta já em 1M 1,7: “A quanto eu posso entender, a porta para entrar neste castelo é a oração e consideração, não digo mais mental ou vocal, que sendo oração há de ser com consideração; porque aquela que não adverte com quem fala ou pede e quem é quem pede e a quem isso não é oração, mesmo que mexa muito os lábios”.

Esta afirmação não podemos perder de vista, tendo em conta a evolução que vamos seguindo: oração rudimentar, como primeiro ensaios; meditação, simples olhar, estar na presença de Deus; recolhimento infuso, quietude, gostos; oração de união, Deus no fundo da alma; formas extáticas, visões. Alocuções, êxtases, ferida de amor; ânsias de eternidade; contemplação perfeita. Da conjunção de todos esses elementos que vamos assinalando, bem usados, irá surgindo no leitor, além do gosto mental, a compreensão da doutrina Teresiana.

Alguém da França escreveu faz tempo, porém não era por causa da doutrina Teresiana: “A oração é o primeiro de tudo. Não é o essencial: o essencial é a caridade, que resume em si mesma a perfeição, Deus mesmo. Mas a oração é o primeiro”.

Por isso escreveu com toda a razão José Vicente Rodriguez: “Partindo da realidade da graça e do amor, que fazem que a alma seja agradável a Deus, que seja o paraíso onde ele se deleita (1M 1,1), as moradas vão se fazendo a partir do amor, viram a ser os diversos graus de amor da alma, já que “o aproveitamento da alma não está em pensar muito, senão em amar muito” (F 5,2), e também para “subir às moradas que desejamos, não está a coisa em pensar muito, senão em amar muito” (4M 1,7). Esse amor não exclui de outras atividades, outros exercícios, e assim teremos que a alma estabelecida em amor, se empregará, v. Gr., no próprio conhecimento e no exercício da humildade, e termos as primeiras moradas (1M 2,8-9). Dar se também diversificação segundo as diferentes Mercedes recebidas de Deus (1M 1,3). Isto vemos bem claro na leitura seguida desta obra Teresiana, sendo com algo típico e fundante, v. Gr., das quartas moradas, a oração de quietude; das quintas, a oração de união; das sextas, os esponsais espiritual e das sétimas, o matrimonio espiritual”.

Para entender plenamente como a santa leva todo seu carregamento doutrinal, se aconselha ler com toda atenção o último capitulo de todo o livro: (7M c. 4). Aqui temos a impressão que a Madre quer chegar sobre os fundamentos mais sólidos da vida cristã: o amor fraterno e a configuração com Cristo. O Castelo Interior é, sem dúvida, um manual muito bom de santidade.

Como ajudas e pontos de referencia no recorrido do Castelo é importante e útil gravar na memória alguns pontos nos quais a Madre condensa a doutrina que vai estendendo seus tentáculos ao longo de todo o livro. Vejamos uns exemplos: Grandeza, dignidade,, capacidade, formosura da alma humana: 1M 1. Presença total, natural, sobrenatural de Deus na alma: 5M 1,10. Consciência Teresiana da diversidade de almas: 1M 1,3;5M 3,4. Fabricar cada um sua morada em Deus: 5M 2, titulo e corpo do capitulo. Ser espirituais de verdade: 7M 4,8. Não ficar anões: 7M 4,9. Ser plenamente realistas: 7M 4,14. Não colocar taxa às obras de Deus: 6M 4,12.

E como capitulo imprescindível sobre Cristo temos que ler 6M 7, onde o titulo diz o seguinte: “disse quão grande erro é não se exercitar, por muito espirituais que sejam, em trazer presente a Humanidade de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e sua sacratíssima Paixão e vida, e em sua gloriosa Mãe e santos. È de muito proveito”. É um capitulo paralelo com Vida 22.



Conclusão


Em 6M 10,3 nos surpreende a Santa com a identidade e ao mesmo tempo com a diversidade que assinala neste passo: “Façamos agora conta de que é Deus como uma morada ou palácio grande e formoso, e que este palácio, como digo, é o mesmo Deus”. Tirando dessas palavras chegamos a aquilo de “sede castelos formosos como vosso Pai celestial O é”.

O famoso catecismo holandês apresenta assim aos crentes de hoje esta obra Teresiana: “Santa Teresa escreveu um livro em que a alma está representada por um Castelo com sete moradas. Morada trás morada se chega à sétima na que habita Deus, isto é, Cristo. Sua presença se percebe em todo o Castelo, mas ao chegar a alma ao centro, imersa na própria realidade, se sente invadida ou pelo sereno sentimento de que Deus está nela. A alma vive dentro da realidade terrena, que se apresenta  magnífica diante de seus olhos, pois compreende que Deus é o coração inefável de toda realidade”.

Na postulação para o doutorado da Santa se encontra como peça principal o Informe do advogado da causa. Para defender a altura da iminente doutrina da doutoranda se oferece um pequeno resumo das Moradas desta maneira:

Esta “é a principal obra Teresiana, e mais, segundo alguns, de toda a mística cristã [...].O livro se divide em sete partes, ou por moradas, das quais cada uma tem vários capítulos, exceto as segundas que só tem um capitulo. 

As primeiras moradas (02 capítulos) são as almas que tem desejos de perfeição, mas estão ainda dentro das preocupações do mundo, das quais devem fugir e buscar a solidão.

As segundas moradas (01 capítulo) são para as almas com grande determinação de viver em graça e que se dedicam à oração e alguma mortificação, ainda com muitas tentações por não deixar totalmente o mundo.

As terceiras moradas (02 capítulos) são para as almas que exercitam a virtude e a oração, mas colocando um disfarçado amor de si mesmos. Precisam de humildade e obediência.

As quartas moradas (03 capítulos) são já o começo das coisas “sobrenaturais”: a oração de quietude e um inicio da união. Os frutos não são ainda estáveis; as almas devem por isso tem que fugir do mundo e das ocasiões.

As quintas moradas (04 capítulos) são já de plena vida mística, com a oração de união que é sobrenatural e a de Deus quando quer e como quer, apesar de que a alma pode se preparar. Os sinais verdadeiros de esta união é que seja total, que não falte a certeza da presença de Deus e que sucedam tribulações e dores em que provar o amor a Deus. Necessita se de muita fidelidade.

As sextas moradas (11 capítulos). Logra se uma grande purificação interior da alma, e entre as graças que nela se dão, totalmente sobrenaturais, estão as alocuções, êxtases, etc., Grande zelo pela salvação das almas, que leva a desejar sua solidão. É necessária a contemplação da Humanidade de Cristo para chegar aos últimos graus da vida mística.

As sétimas moradas (04 capítulos) são o cume da vida espiritual, na que se recebe a graça do matrimonio espiritual e uma intima comunicação com a Trindade, da qual brota espontaneamente uma grande paz na que vive a alma, sendo ativa e contemplativa ao mesmo tempo. “Uma contemplação que não é subjetiva, senão que transcende ao homem fazendo que se esqueça de si mesmo e assim entregar-se a Cristo e à Igreja”.

Esta espécie de resumo autorizado é como a apresentação do castelo em seu conjunto; e é ao mesmo tempo um convite para ir verificando toda essa estrutura, não de uma maneira mental ou intelectual senão vivencialmente, isto é, desde a práxis e experiência cristã e tudo  isso levados da mão de Teresa de Jesus doutora da igreja.

Tradução : Frei Francisco Xavier Yudego Marin, ocd


sábado, 29 de janeiro de 2022

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO JUNTO À SANTA SÉ   

Sala das Bênçãos
Segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

[Multimídia]

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Excelências, Senhoras e Senhores!

Ontem chegou ao fim o tempo litúrgico do Natal, período privilegiado para cultivar as relações familiares que por vezes nos veem tão distraídos e distantes, tão atarefados com tantos compromissos como frequentemente aparecemos no resto do ano. Hoje, queremos dar continuidade ao espírito do Natal, encontrando-nos juntos como uma grande família, que se encontra e dialoga. No fundo, este é o objetivo da diplomacia: ajudar a deixar de lado os dissabores da convivência humana, favorecer a concórdia e experimentar como, superando as areias movediças da conflitualidade, podemos redescobrir o sentido da unidade profunda da realidade [1].

Por isso, sinto-me particularmente agradecido por terdes querido tomar parte neste nosso «encontro de família» anual, ocasião propícia de trocarmos mutuamente os bons votos para o novo ano e olharmos conjuntamente as luzes e as sombras do nosso tempo. Um agradecimento particular, exprimo-o ao Excelentíssimo Decano, o Senhor George Poulides, Embaixador de Chipre, pela amabilidade das palavras que me dirigiu em nome de todo o Corpo Diplomático. Por vosso intermédio, desejo fazer chegar a minha saudação e a certeza da minha estima também aos povos que representais.

A vossa presença é sempre um sinal palpável da atenção que os vossos países têm pela Santa Sé e o seu papel na comunidade internacional. Para participar neste momento, muitos de vós chegaram doutras capitais, unindo-se assim ao grande grupo dos Embaixadores residentes em Roma, aos quais virá brevemente juntar-se o da Confederação Suíça.

Prezados Embaixadores!

Nestes dias, vemos como a luta contra a pandemia ainda requer, da parte de todos, um esforço considerável e como o novo ano se anuncia também desafiador. O coronavírus continua a criar isolamento social e a ceifar vítimas; dentre os que perderam a vida, gostaria de recordar aqui o saudoso Arcebispo Aldo Giordano, Núncio Apostólico bem conhecido e estimado no seio da comunidade diplomática. Ao mesmo tempo pudemos constatar que, onde se realizou uma campanha de vacinação eficaz, diminuiu o risco dum decurso grave da doença.

Assim é importante que se possa continuar o esforço por imunizar, no máximo possível, a população. Isto requer um múltiplo empenho a nível pessoal, político e da comunidade internacional inteira. Em primeiro lugar, a nível pessoal. Todos temos a responsabilidade de cuidar de nós próprios e da nossa saúde, o que se traduz também no respeito pela saúde de quem vive ao nosso lado. O cuidado da saúde constitui uma obrigação moral. Constatamos cada vez mais, infelizmente, como vivemos num mundo de fortes contrastes ideológicos. Muitas vezes deixamo-nos determinar pela ideologia do momento, frequentemente construída sobre informações infundadas ou factos pouco documentados. Contrariamente a toda a afirmação ideológica que corta os laços da razão humana com a realidade objetiva das coisas, a pandemia impõe-nos uma espécie de «tratamento de realidade», que exige encarar de frente o problema e adotar os remédios adequados para o resolver. As vacinas não são instrumentos mágicos de cura, mas constituem sem dúvida, conjuntamente com os tratamentos que precisam de ser desenvolvidos, a solução mais razoável para a prevenção da doença.

Depois, deve haver o empenho da política na busca do bem da população através de decisões de prevenção e imunização, que envolvam também os cidadãos a fim de poderem sentir-se participantes e responsáveis, graças a uma comunicação transparente das problemáticas e das medidas idóneas para as enfrentar. A falta de firmeza na tomada de decisões e de clareza comunicativa gera confusão, cria desconfiança e mina a coesão social, alimentando novas tensões. Instaura-se um «relativismo social» que fere a harmonia e a unidade.

Por fim, é necessário um empenho geral da comunidade internacional, para que toda a população mundial tenha igual acesso aos cuidados médicos essenciais e às vacinas. Com mágoa, tem-se de constatar que o acesso universal à assistência sanitária ainda permanece uma miragem em vastas áreas do mundo. Num momento tão grave para toda a humanidade, reitero o meu apelo a fim de que os governos e as entidades privadas interessadas mostrem sentido de responsabilidade, elaborando uma resposta coordenada a todos os níveis (local, nacional, regional, global), através de novos modelos de solidariedade e instrumentos aptos para reforçar as capacidades dos países mais carecidos. Em particular, seja-me permitido exortar os Estados, que estão trabalhando para estabelecer um instrumento internacional de preparação e resposta às pandemias sob a égide da Organização Mundial da Saúde, a adotarem uma política de partilha desinteressada, como princípio-chave para garantir a todos o acesso a instrumentos de diagnóstico, vacinas e medicamentos. E de igual modo, espera-se que instituições como a Organização Mundial do Comércio e a Organização Mundial da Propriedade Intelectual adaptem os seus instrumentos jurídicos, para que as regras monopolistas não constituam acrescidos obstáculos à produção e a um acesso organizado e coerente dos tratamentos a nível mundial.

Prezados Embaixadores!

No ano passado, graças também ao abrandamento das restrições impostas em 2020, tive a oportunidade de receber muitos Chefes de Estado e de Governo, bem como várias autoridades civis e religiosas.

Dentre os numerosos encontros, gostaria de mencionar aqui a jornada dedicada à reflexão e oração pelo Líbano, no dia 1 de julho passado. Ao amado povo libanês, aflito por uma crise económica e política que sente dificuldade a encontrar solução, desejo renovar hoje a minha solidariedade e a minha oração, enquanto espero que as reformas necessárias e o apoio da comunidade internacional ajudem o país a manter-se firme na própria identidade de modelo de coexistência pacífica e de fraternidade entre as várias religiões presentes.

No decurso de 2021, pude retomar também as viagens apostólicas. Em março, tive a alegria de ir ao Iraque. A Providência quis que isso acontecesse, como sinal de esperança depois de anos de guerra e terrorismo. O povo iraquiano tem direito a reencontrar a dignidade que lhe pertence e a viver em paz. As suas raízes religiosas e culturais são milenárias: a Mesopotâmia é berço de civilização; foi de lá que Deus chamou Abraão para iniciar a história da salvação.

Depois, em setembro, fui a Budapeste para a conclusão do Congresso Eucarístico Internacional e em seguida à Eslováquia. Foi uma oportunidade de encontro com os fiéis católicos e doutras confissões cristãs, e também de diálogo com os judeus. Da mesma forma, a viagem a Chipre e à Grécia, cuja memória permanece viva em mim, permitiu-me aprofundar os laços com os irmãos ortodoxos e experimentar a fraternidade entre as várias confissões cristãs.

Uma parte comovente desta viagem teve lugar na ilha de Lesbos, onde pude constatar a generosidade de quantos prestam a sua ação para oferecer acolhimento e ajuda aos migrantes, mas sobretudo vi os rostos de tantas crianças e adultos hóspedes dos centros de acolhimento. Nos seus olhos, há o cansaço da viagem, o medo dum futuro incerto, a angústia pelos entes queridos que deixaram para trás e a saudade da pátria que foram obrigados a abandonar. Diante destes rostos, não podemos permanecer indiferentes, nem se pode entrincheirar atrás de muros e arame farpado a pretexto de defender a segurança ou um estilo de vida. Isso não se pode fazer.

Por isso, agradeço a quantos – indivíduos e governos – se esforçam por garantir acolhimento e proteção aos migrantes, cuidando também da sua promoção humana e integração nos países que os acolheram. Estou ciente das dificuldades com que alguns Estados se deparam perante fluxos imensos de pessoas. A ninguém pode ser pedido aquilo que está impossibilitado de fazer, mas há uma diferença nítida entre acolher, embora limitadamente, e repelir totalmente.

É preciso vencer a indiferença e rejeitar a ideia de que os migrantes são um problema de outrem. O resultado desta perspetiva vê-se na própria desumanização dos migrantes concentrados em campos de recolha, onde acabam por ser presa fácil da criminalidade e dos traficantes de seres humanos, ou por se lançar em desesperadas tentativas de fuga que às vezes terminam com a morte. Infelizmente, é preciso também destacar que os próprios migrantes muitas vezes são transformados em arma de chantagem política, numa espécie de «mercadoria de barganha» que priva as pessoas da dignidade.

Desejo renovar aqui a minha gratidão às autoridades italianas, graças às quais algumas pessoas de Chipre e da Grécia puderam vir comigo para Roma. Tratou-se dum gesto simples, mas significativo. Ao povo italiano, que muito sofreu no início da pandemia, mas que também deu sinais encorajadores de retoma, formulo os melhores votos de manter sempre este espírito de abertura generosa e solidária que o carateriza.

Entretanto considero de importância fundamental que a União Europeia encontre a sua coesão interna na gestão das migrações, como a soube encontrar para enfrentar as consequências da pandemia. De facto, é necessário criar um sistema coerente e global de gestão das políticas migratórias e de asilo, de modo que sejam compartilhadas as responsabilidades no acolhimento dos migrantes, na revisão dos pedidos de asilo, na redistribuição e integração de quantos podem ser aceites. A capacidade de negociar e encontrar soluções compartilhadas é um dos pontos de força da União Europeia e constitui um modelo válido para perspetivar os desafios globais que nos esperam.

Todavia as migrações não dizem respeito apenas à Europa, embora esta seja particularmente procurada pelos fluxos vindos da África e da Ásia. Nestes anos, assistimos, para além doutros, ao êxodo dos refugiados sírios, aos quais se vieram juntar nos últimos meses os que fogem do Afeganistão. Também não devemos esquecer os êxodos maciços que buscam o continente americano e pressionam na fronteira entre o México e os Estados Unidos da América. Muitos daqueles migrantes são haitianos em fuga das tragédias que atingiram o seu país nestes anos.

A questão migratória, bem como a pandemia e as mudanças climáticas mostram claramente que ninguém se pode salvar sozinho, ou seja, os grandes desafios do nosso tempo são todos globais. Por isso, é preocupante constatar como, face a uma maior interligação dos problemas, vai crescendo uma mais ampla fragmentação das soluções. Verifica-se, não raro, uma falta de vontade em querer abrir janelas de diálogo e sendas de fraternidade, o que acaba por alimentar novas tensões e divisões, além dum sentimento generalizado de incerteza e instabilidade. Pelo contrário, é preciso recuperar o sentido da nossa identidade comum de uma única família humana. A alternativa só pode ser um crescente isolamento, marcado por preconceitos e fechamentos mútuos que, de facto, colocam ainda mais em perigo o multilateralismo, que é o estilo diplomático que tem caraterizado as relações internacionais desde o fim da II Guerra Mundial.

A diplomacia multilateral atravessa, desde há algum tempo, uma crise de confiança, devido à reduzida credibilidade dos sistemas sociais, governamentais e intergovernamentais. Com frequência, tomam-se importantes resoluções, declarações e decisões sem uma verdadeira negociação onde todos os países tenham possibilidade de intervir. Este desequilíbrio, que hoje se tornou dramaticamente evidente, gera insatisfação para com os organismos internacionais por parte de muitos Estados e enfraquece no seu todo o sistema multilateral, tornando-o cada vez menos eficaz para enfrentar os desafios globais.

A falta de eficácia de muitas organizações internacionais é devida também à diferença de visão, entre os vários membros, dos objetivos que aquelas se deveriam prefixar. Não raro, o centro principal de interesse tem-se deslocado para temáticas que são por sua natureza divisivas e não estritamente atinentes à finalidade da organização, com o resultado de agendas cada vez mais ditadas por um pensamento que nega os fundamentos naturais da humanidade e as raízes culturais que constituem a identidade de muitos povos. Como já tive oportunidade de afirmar noutras ocasiões, considero que se trata duma forma de colonização ideológica, que não deixa espaço à liberdade de expressão e que hoje se concretiza cada vez mais naquela cultura censória, que invade tantos espaços e instituições públicas. Em nome da proteção das diversidades, acaba-se por apagar o sentido de cada identidade, com o risco de silenciar as posições que defendem uma ideia respeitosa e equilibrada das várias sensibilidades. Elabora-se um pensamento único – perigoso – que é forçado a renegar a história ou, pior ainda, a reescrevê-la com base em categorias contemporâneas, quando cada situação histórica deve ser interpretada segundo a hermenêutica da época, não a de hoje.

Por isso, a diplomacia multilateral é chamada a ser verdadeiramente inclusiva, não cancelando, mas valorizando as diversidades e as sensibilidades históricas que caraterizam os vários povos. Recuperará, assim, credibilidade e eficácia para enfrentar os próximos desafios, que exigem que a humanidade se reúna como uma grande família, que, embora partindo de pontos de vista diferentes, deve ser capaz de encontrar soluções comuns para o bem de todos. Isto exige confiança mútua e disponibilidade para dialogar, ou seja, «ouvir-se um ao outro, confrontar posições, pôr-se de acordo e caminhar juntos» [2]. Aliás «o diálogo é o caminho mais adequado para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e que ultrapassa o consenso ocasional» [3]. Nunca devemos esquecer que «há alguns valores permanentes» [4]. Nem sempre é fácil reconhecê-los, mas aceitá-los «confere solidez e estabilidade a uma ética social. Mesmo quando os reconhecemos e assumimos através do diálogo e do consenso, vemos que estes valores basilares estão para além de qualquer consenso» [5]. Desejo recordar especialmente o direito à vida, desde a conceção até ao fim natural, e o direito à liberdade religiosa.

Nesta perspetiva, tem crescido progressivamente, nos últimos anos, a consciência coletiva quanto à urgência de enfrentar o cuidado da nossa Casa comum, que geme por causa duma contínua e indiscriminada exploração dos recursos. A este respeito, penso especialmente nas Filipinas, atingidas nas semanas passadas por um tufão devastador, bem como noutras nações do Pacífico, vulneráveis aos efeitos negativos das mudanças climáticas, que colocam em risco a vida dos habitantes, a maioria dos quais depende da agricultura, pesca e recursos naturais.

Precisamente uma tal constatação deve impelir a comunidade internacional, na sua globalidade, a encontrar soluções comuns e colocá-las em prática. Ninguém pode eximir-se deste esforço, pois interessa e envolve igualmente a todos. Na recente COP26 em Glasgow, foram dados alguns passos que vão na direção certa, embora bastante débeis relativamente à consistência do problema a enfrentar. O caminho para se alcançar os objetivos do Acordo de Paris é complexo e parece ainda longo, enquanto se torna cada vez mais curto o tempo à disposição. Ainda há muito a fazer, e por conseguinte 2022 será mais um ano fundamental para verificar quanto e como possa e deva ser ainda mais reforçado o que foi decidido em Glasgow, tendo em vista a COP27 prevista para novembro próximo no Egito.

Excelências, Senhoras e Senhores!

Diálogo e fraternidade são os dois focos essenciais para superar as crises do momento presente. Todavia, «apesar dos múltiplos esforços visando um diálogo construtivo entre as nações, aumenta o ruído ensurdecedor de guerras e conflitos» [6], e toda a comunidade internacional se deve interrogar sobre a urgência de encontrar soluções para conflitos intermináveis, que por vezes assumem a fisionomia de verdadeiras e próprias guerras por procuração ( proxy wars).

Penso antes de mais nada na Síria, onde não se vê ainda um horizonte claro para o renascimento do país. Ainda hoje o povo sírio chora os seus mortos, a perda de tudo e espera por um futuro melhor. São necessárias reformas políticas e constitucionais, para que o país renasça, mas é preciso também que as sanções aplicadas não atinjam diretamente a vida quotidiana, oferecendo um vislumbre de esperança à população, cada vez mais aflita pela pobreza.

Nem podemos esquecer o conflito no Iémen, uma tragédia humana que se desenrola há anos em silêncio, longe dos holofotes dos meios de comunicação e no meio duma certa indiferença da comunidade internacional, continuando a provocar numerosas vítimas civis, especialmente mulheres e crianças.

No ano passado, nenhum progresso foi feito no processo de paz entre Israel e Palestina. Gostaria verdadeiramente de ver estes dois povos reconstruir a confiança entre eles e voltar a falar um com o outro diretamente para chegarem a viver em dois Estados lado a lado, em paz e segurança, sem ódio nem ressentimentos, mas curados pelo perdão mútuo.

Preocupam as tensões institucionais na Líbia; bem como os episódios de violência por obra do terrorismo internacional na região do Sahel e os conflitos internos no Sudão, Sudão do Sul e Etiópia, onde é necessário encontrar «o caminho da reconciliação e da paz, através duma discussão sincera que coloque em primeiro lugar as necessidades da população» [7].

As desigualdades profundas, as injustiças e a corrução endémica, assim como as várias formas de pobreza que ofendem a dignidade das pessoas continuam a alimentar conflitos sociais também no continente americano, onde as polarizações cada vez mais fortes não ajudam a resolver os problemas reais e urgentes dos cidadãos, sobretudo dos mais pobres e vulneráveis.

A confiança mútua e a disponibilidade para um sereno confronto devem animar todas as partes interessadas a encontrarem soluções aceitáveis e duradouras na Ucrânia e no sul do Cáucaso, bem como a evitarem a abertura de novas crises nos Balcãs, principalmente na Bósnia e Herzegovina.

Diálogo e fraternidade são de grande urgência para enfrentar, com sabedoria e eficácia, a crise que assola Myanmar há quase um ano, onde as estradas que antes eram lugares de encontro, agora são palco de confrontos, que não poupam sequer os lugares de oração.

Naturalmente todos os conflitos são favorecidos pela abundância de armas à disposição e pela falta de escrúpulos de quantos se esforçam por espalhá-las. Às vezes, temos a ilusão de que os armamentos servem apenas para desempenhar um papel dissuasor contra possíveis agressores. A história e as notícias também, infelizmente, ensinam-nos que não é assim. Quem possui armas, acaba mais cedo ou mais tarde por usá-las, porque, como dizia São Paulo VI, «não se pode amar com armas ofensivas nas mãos» [8]. Além disso, «quando nos rendemos à lógica das armas e afastamos da prática do diálogo, esquecemos tragicamente que as armas, antes mesmo de causar vítimas e ruínas, têm a capacidade de provocar pesadelos» [9]. Trata-se de preocupações tornadas ainda mais concretas hoje com a disponibilidade e a utilização de armamentos autónomos, que podem ter consequências terríveis e imprevisíveis, mas que deveriam estar sujeitas à responsabilidade da comunidade internacional.

Dentre as armas que a humanidade produziu, causam particular preocupação as armas nucleares. No fim de dezembro passado, devido à pandemia, teve de ser adiada de novo a X Conferência de Exame do Tratado de Não Proliferação Nuclear, que estava prevista em Nova York nestes dias. Um mundo livre de armas nucleares é possível e necessário. Espero, pois, que a comunidade internacional aproveite a oportunidade da citada Conferência para realizar um passo significativo nesta direção. A Santa Sé continua firmemente a sustentar que as armas nucleares são instrumentos inadequados e impróprios para responder às ameaças à segurança no século XXI e que a sua posse é imoral. A sua fabricação desvia recursos que deviam ser empregues na perspetiva dum desenvolvimento humano integral e a sua utilização, além de produzir consequências humanitárias e ambientais catastróficas, ameaça a própria existência da humanidade.

A Santa Sé considera igualmente importante que a retoma em Viena das negociações do Acordo acerca do nuclear com o Irã (Joint Comprehensive Plan of Action) possa alcançar resultados positivos para garantir um mundo mais seguro e fraterno.

Prezados Embaixadores!

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz celebrado no passado dia 1 de janeiro, procurei destacar os elementos que considero essenciais para fomentar uma cultura do diálogo e da fraternidade.

Um lugar especial é ocupado pela educação, através da qual se formam as novas gerações que são a esperança e o futuro do mundo. É o vetor primário do desenvolvimento humano integral, pois torna a pessoa livre e responsável [10]. O processo educativo é lento e trabalhoso, podendo às vezes levar ao desânimo, mas não se pode renunciar a ele jamais. Aquele é expressão eminente do diálogo, porque não há verdadeira educação que não seja estruturalmente dialógica. Depois a educação gera cultura e cria pontes de encontro entre os povos. A Santa Sé pretendeu sublinhar o seu valor participando também na Expo Dubai 2021, nos Emirados Árabes Unidos, com a instalação de um Pavilhão inspirado no tema da Exposição: «Ligar as mentes, criar o futuro».

A Igreja Católica sempre reconheceu e valorizou o papel da educação para o crescimento espiritual, moral e social das novas gerações. Por isso, é ainda mais doloroso para mim constatar como, em vários centros educativos – paróquias e escolas –, foram cometidos abusos sobre menores, com graves consequências psicológicas e espirituais para as pessoas que os sofreram. Trata-se de crimes, sobre os quais deve haver uma firme vontade de esclarecer, examinando os casos individuais para apurar as responsabilidades, fazer justiça às vítimas e impedir que se repitam no futuro semelhantes atrocidades.

Não obstante a gravidade de tais atos, nenhuma sociedade pode jamais abdicar da responsabilidade de educar. Ao contrário, é doloroso constatar como frequentemente, nos orçamentos dos Estados, poucos recursos sejam destinados à educação. Prevalece a sua visão como um custo, quando se trata do melhor investimento possível.

A pandemia impediu a muitos jovens o acesso às instituições educativas, em detrimento do seu processo de crescimento pessoal e social. Muitos, através dos instrumentos tecnológicos modernos, encontraram refúgio em realidades virtuais que criam laços psicológicos e emocionais muito fortes, com a consequência de se alhearem dos outros e da realidade circundante e modificarem radicalmente as relações sociais. Com isto, não pretendo certamente negar a utilidade da tecnologia e dos seus produtos, que permitem conectar-se sempre com mais facilidade e rapidez, mas recordo a urgência de velar para que tais instrumentos não substituam as verdadeiras relações humanas a nível interpessoal, familiar, social e internacional. Se já desde pequeno se aprende a isolar-se, será mais difícil no futuro construir pontes de fraternidade e de paz. Num universo onde só existe o «eu», dificilmente pode haver espaço para um «nós».

O segundo elemento que desejo relembrar brevemente é o trabalho, «fator indispensável para construir e preservar a paz. Aquele constitui expressão da pessoa e dos seus dotes, mas também compromisso, esforço, colaboração com outros, porque se trabalha sempre com ou para alguém. Nesta perspetiva acentuadamente social, o trabalho é o lugar onde aprendemos a dar a nossa contribuição para um mundo mais habitável e belo» [11].

Salta aos olhos como a pandemia pôs duramente à prova a economia mundial, com graves repercussões nas famílias e nos trabalhadores, que vivem situações marcadas mais pela angústia psicológica do que pelas próprias dificuldades económicas. Aquela colocou ainda mais em evidência as desigualdades persistentes em várias esferas socioeconómicas. Pense-se no acesso a água potável, na alimentação, na instrução, nos cuidados médicos. O número de pessoas incluídas na categoria de pobreza extrema tem aumentado sensivelmente. Além disso, a crise sanitária levou muitos trabalhadores a mudar o tipo de trabalho e obrigou-os por vezes a entrar na economia clandestina, privando-os assim dos sistemas de proteção social previstos em muitos países.

Neste contexto, a consciência do valor do trabalho adquire acrescida importância, pois não existe desenvolvimento económico sem o trabalho, nem se deve pensar que as tecnologias modernas possam substituir o valor acrescentado que advém do trabalho humano. Depois, é ocasião de descobrir a própria dignidade, de encontro e de crescimento humano, via privilegiada através da qual cada um participa ativamente no bem comum e presta uma contribuição concreta para a construção da paz. Por isso é necessária, também neste campo, uma maior cooperação entre todos os atores a nível local, nacional, regional e global, especialmente no próximo futuro com os desafios colocados pela desejada reconversão ecológica. Os próximos anos serão um tempo de oportunidades para desenvolver novos serviços e empresas, adaptar os existentes, aumentar o acesso ao trabalho digno e empenhar-se pelo respeito dos direitos humanos e de níveis adequados de remuneração e proteção social.

Excelências, Senhoras e Senhores!

O profeta Jeremias lembra que Deus tem, a nosso respeito, «desígnios de prosperidade e não de calamidade, de garantir um futuro de esperança» (29, 11). Por isso, não devemos ter medo de abrir espaço para a paz na nossa vida, cultivando o diálogo e a fraternidade entre nós. A paz é um bem «contagioso», que se propaga a partir do coração de quantos a desejam e aspiram a vivê-la abraçando o mundo inteiro. A cada um de vós, aos vossos entes queridos e aos vossos povos, renovo a minha bênção e os votos, bem sentidos, dum ano de serenidade e paz.

Obrigado!

 


[1] Cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium (24/XI/2013), 226-230.

[2] Francisco, Mensagem para o 55º Dia Mundial da Paz (08/XII/2021), 2.

[3] Francisco, Carta enc. Fratelli tutti (03/X/2020), 211.

[4] Ibidem.

[5] Ibidem.

[6] Francisco, Mensagem para o 55º Dia Mundial da Paz, 1.

[7] Idem,  Mensagem «Urbi et Orbi» (25/XII/2021).

[8] Discurso nas Nações Unidas (04/X/1965), 5.

[9] Francisco, Encontro em prol da Paz (Hiroshima, 24/XI/2019).

[10] Cf. Mensagem para o 55º Dia Mundial da Paz, 3.

[11] Ibid., 4.


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