As Sétimas Moradas
Ana Maria de Santa Teresinha - OCDS
O livro Castelo
interior ou Moradas se refere aos diferentes modos como a pessoa pode viver o
seu relacionamento com Deus. Teresa o inicia por obediência em dois
de junho de 1577, no dia da Santíssima Trindade.
O Papa emérito Bento XVI retrata assim sobre o
castelo:
“O livro é uma obra mística
mais famosa de Santa Teresa onde ela já está em plena maturidade. É uma
releitura do seu próprio caminho de vida espiritual e, ao mesmo tempo, uma
codificação do possível desenvolvimento da vida cristã rumo à sua plenitude, a
santidade, sob a ação do Espírito Santo. Teresa refere-se à estrutura de um
castelo com sete "moradas", como imagens da interioridade do homem,
introduzindo, ao mesmo tempo, o símbolo do bicho da seda que renasce em uma
borboleta, para expressar a passagem do natural ao sobrenatural. A santa se
inspira na Sagrada Escritura, especialmente no "Cântico dos
Cânticos", para o símbolo final dos "dois esposos", que permite
descrever, na sétima "morada", o ápice da vida cristã em seus quatro
aspectos: trinitário, cristológico, antropológico e eclesial”.
As sétimas moradas, assim
também como as sextas são chamadas de moradas místicas. Nela se desenvolve:
* Cume da graça batismal;
* Manifestam a unidade plena contemplação-ação: a
máxima polarização em Deus leva a uma maior aproximação serviçal ao homem;
* Máxima interiorização em Deus-Trindade – máxima
expansão e abertura aos outros;
* São a revelação mais
grandiosa e plena da pessoa humana em comunhão com o Deus Trino, por Quem é
habitado.
Esquema das sétimas
moradas:
Capítulo
1:
1-5:
fascínio pelo mistério de Deus e da alma
6-12:
entrada nas 7M e visão trinitária;
Capítulo
2: Matrimônio espiritual
1-3:
como se realiza;
4-11:
o que é;
Capítulo
3-4
1-3:
efeitos do matrimônio espiritual;
4,4-18: síntese e releitura do livro.
Sétimas moradas – “Matrimônio místico.”
“A Santidade
como estado terminal, plenitude (“ pleroma”) da vida nova. Chegamos ao centro
do castelo, centro da alma, centro de si mesmo. Plena união do espírito humano
com o Espírito divino: Matrimônio místico. Duas graças de ingresso nesta fase
final: uma cristológica e outra trinitária. “Aqui as três pessoas divinas se
comunicam com a alma. Nunca mais a deixaram”. Notas psicológicas e éticas que
caracterizam a este ser humano na plenitude: “esquecimento do criado”, “grande
gozo interior”, “desejo de servir”, “paz profunda”, cessam os arrebatamentos
místicos. Plena configuração a Cristo. Plena entrega na ação e no serviço: “que
surjam sempre obras, obras”.
“A chegada
às sétimas moradas fica marcada pelas mais brilhantes imagens bíblicas: reaparecem
embora com sinal diferente, a dupla de convertidos das primeiras moradas, São
Paulo e a Madalena do Evangelho; a sétima morada é como o templo de Salomão,
que se constrói sem barulho; aí recebe a alma o ósculo da esposa do Cântico; e
a paz, paz como a anunciada pela pomba do dilúvio; ou como a que no cenáculo
produz a palavra do Ressuscitado. “Fome da honra de Deus, como a teve Elias.
“Fome de achegar almas a Deus”, como a tiveram São Domingos e São Francisco.
Consignação suprema: “Os olhos no Cristo Crucificado, e tudo lhe parecerá
pouco!”
Tecer um
comentário sobre as sétimas moradas é ousar a experiência no mais profundo do
ser, para o encontro com o infinito Ser- O Senhor.
Podemos
saber que esta é uma morada de total entretenimento com o Senhor, não somente
de gozo, mas o mesmo expresso em obras.
Talvez
pudéssemos exemplificar a partir de algumas narrações do evangelho. Quando
alguém tem um encontro com o Senhor, sua vida e história muda e o mesmo tem de
fato necessidade de às pressas anunciar com a vida e a palavra.
É o caso de
Maria ao encontrar com o Ressuscitado - Jo 20,11-18
Encontro de
Jesus com Saulo- Conversão- At 9, 1-20
Discípulos
de Emaús - Lc 24, 29-35
Após o
encontro, a alma tem sede de também dar de beber a outros. Essa é uma
preocupação eclesial.
“Suponhamos
encontrar um cristão amarrado a um poste, com as mãos atadas para trás por
fortíssima cadeia. Está ele morrendo de fome. Não que lhe falte alimento. Tendo
junto de si as mais delicadas iguarias, não as pode pegar e levar à boca. Além
do mais, sente-se completamente enfastiado. Não seria grande crueldade se o
ficássemos olhando sem lhe chegar o alimento à boca?” 7M,1,4
Santa Teresa
nos alerta que é necessário ajudar o Crucificado- 7M 3,6.
Quando tratamos de ajudar o crucificado, é bom
saber que Ele se encontra em cada um que mendiga o amor, e quantas vezes não há
ninguém para partilhar desse amor. Quantos não conhecem seu verdadeiro rosto
pois não há ninguém que os mostre.
A finalidade
do matrimônio espiritual é para que dele nasçam obras, sempre obras! 7M 4,6
O tema básico do capítulo das sétimas moradas
é a santidade, santidade de vida. Teresa nos apresentará a santidade como estágio
final, plenitude de vida nova. Desenvolverá tudo isso em quatro capítulos:
1.Santidade-
Um acontecimento trinitário que acontece na alma do cristão. Acontecimento
transformante. A santa teve esta experiência em 1572, junto a S. João da Cruz,
no Mosteiro da Encarnação, em Ávila
2.
A santidade do cristão orante deriva da santidade de Cristo e realiza a plena
comunhão, relação do homem com Deus.
3.Em
sua dimensão antropológica, a santidade promove a plenitude do desenvolvimento
humano, a maturidade do homem novo.
4.Por
fim, a santidade é algo que supera os apertados limites do sujeito: é graça
para os outros, para a comunidade humana, para assumir em pleno a condição de
“servo de Jahvé” que caracterizou a existência de Jesus, que foi “o homem para
os outros”. Isto é, a santidade cristã tem destino eclesial, e por isso implica
um carisma de serviço aos irmãos.
O homem novo
é caracterizado pelo esquecimento de si mesmo, grande gozo interior, desejo de
servir, paz profunda. Assim acontece a verdadeira configuração com Cristo.
Teresa é uma mulher aberta aos problemas de
seu tempo, sente as dores da Igreja naquele momento: a heresia protestante e o
desejo da reforma religiosa (Concílio de Trento).
A busca da santidade é o investimento em fazer
plenamente a vontade de Deus, manifestando-a na atuação afetiva e efetiva do
reino.
Entrando na sétima morada
Teresa tendo a experiência do encontro com o
Rei, que se faz esposo, sabe da importância da intimidade com Ele nesta morada
principal.
Nas primeiras linhas do capítulo tinha
advertido as leitoras: “grande misericórdia tem Ele para conosco ao comunicar
tais segredos a alguém de quem podemos vir a sabê-los, a fim de que, quanto
mais soubermos que Se comunica às criaturas, tanto mais louvaremos a Sua grandeza...”
(n. 1).
Bem consciente de sua missão de profeta e
testemunha, no umbral do capítulo ela se deteve a orar e pedir ao Senhor que
“dirija minha pena e me faça compreender como explicar-vos algo do muito que há
para dizer sobre o inefável revelado pelo Senhor a quem Ele introduz nesta
morada. Tenho suplicado veementemente a Sua Majestade” (n. 1)
Teresa inicia testificando-o assim: “quando
Nosso Senhor é servido, compadece-se de tudo o que essa alma padece ou já
padeceu ansiando por Sua presença e amor. Assim, tendo-a já tomado
espiritualmente por esposa, antes de consumar o matrimônio sobrenatural, põe-na
em Sua morada, que é a sétima. Assim como o tem no céu, Deus deve possuir na
alma um pouso, digamos outro céu, onde só Ele habita” (n. 3).
Em seguida completa o quadro empregando
termos parecidos: “Quando pois é servido de conceder-lhe a mencionada graça, -
do divino matrimônio -, Sua Majestade faz a alma primeiro entrar em Sua
Morada... O nosso bom Deus quer já tirar-lhe as escamas dos olhos, bem como que
veja e entenda algo da graça que lhe é concedida, embora isso se efetue de um
modo algo estranho” (nn 5.6).
Continua referindo o fato da experiência do
mistério trinitário pela alma e conclui: “Aqui (na sétima morada) comunicam-se
com ela e lhe falam as Três Pessoas. Elas lhe dão a entender as palavras do
Senhor que estão no evangelho: que viria Ele, com o Pai e o Espírito Santo, para
morar na alma que O ama e segue Seus mandamentos” (n. 6).
São dois os componentes deste supremo
acontecimento: o “humano” e o “trinitário”. A saber: do lado humano emergem, no
mais profundo do homem, certas camadas subliminais e primordiais que só agora
estreiam, por serem reservadas ou destinadas a conectarem-se com “o divino”, e
que expressam a dimensão de transcendência que anima em nosso espírito. Teresa
distingue-os, talvez inspirada em São Paulo, entre alma e espírito humanos. A
alma, com a função biológica de animar o corpo. O espírito, com dimensão de
transcendência. Agora é este último o convocado pelo Espírito.
Mas o
que santifica nesse acontecimento não provém daí, mas da vertente divina, que
se faz presente e operante desde o “âmago” do espírito criado. Também Teresa
sabe que “só Deus é santo”, e que toda possível santidade humana é derivação da e comunhão na santidade d`Ele.
No cristão, esta comunicação traz o selo
trinitário: a partir do batismo o crente está selado pela graça da Trindade. E
como plenificação dessa graça, Jesus faz ao crente a promessa suprema da
inabitação: se alguém o ama e lhe é fiel na vida, “viremos a ele e nele faremos
morada”.
O cumprimento dessa promessa de Jesus terá
lugar, pois, em todo o crente que lhe seja fiel no amor e nas obras. Porém terá
lugar em fé, como a própria graça. Como todo o mistério da salvação.
Em troca, o que acontece ao místico é que
esse fato misterioso se desvela e passa ao âmbito da experiência. Obviamente
sem eliminar a fé, mas traspassando-a de luz. E isso acontece para que o
místico se converta em testemunha e profeta do mistério latente e presente na
vida de todo o cristão.
É justamente isso que acontece a esta
mística, Teresa de Jesus. Por isso mesmo ela fica parada um momento, pena na
mão, para deixar-se levar pelo espanto: “Oh! Valha-me Deus! Ouvir essas
palavras e crer nelas é uma coisa; entender a sua verdade pelo modo de que falo
é algo inteiramente diverso!” (n. 7).
Teresa, como Paulo, fala disso a partir da
experiência vivida, não desde ideologias ou teologias.
O que é fascinante e surpreendente é o
testemunho autobiográfico de Paulo passa a ser dado autobiográfico de Teresa. O
trecho em que ele garante que “meu viver é Cristo” (Gl 2,20), é a primeira
palavra do apóstolo incorporada nos escritos da santa carmelita.
Ao
falar da Humanidade de Jesus e de sua presença insuperável na vida do cristão,
Teresa prometeu desenvolver certos e aspectos doutrinais nestas moradas finais
do Castelo.
Que a Humanidade de Jesus, os fatos e as
palavras referidas no evangelho, inclusive as conotações corporais de sua
condição de homem - sofrimentos, humilhações, paixão - não eram coisas
reservadas somente aos aprendizes de cristão, válidas para um primeiro trato do
caminho, mas que eram recurso insuperável ao longo de toda a vida cristã.
Em toda a obra há sempre o esforço da alma e
a ação infusa de Deus.
É de fato um empreendimento espiritual que
tem como fundamento a humildade.
“Por conseguinte, irmãs, para cavar sólidos
alicerces, procure cada uma ser a menor de todas, a escrava da casa. Buscai
meios e modos de causar prazer e prestar serviço a todas. O que neste campo
fizerdes, redundará mais no vosso proveito que no delas. Assentareis pedras tão
firmes, que o vosso castelo não virá a cair.” 7M 4,8.
“Torno a dizer: para isso é necessário que não
ponhais vosso fundamento só em rezar vocalmente e em contemplar. Se não buscardes
as virtudes e não vos exercitardes nelas, ficareis sempre anãs. E praza a Deus
que vosso mal seja só não crescer. Como já sabeis- quem não cresce míngua.
Tenho por impossível que o amor resigne a ficar estacionário, se
verdadeiramente existe.” 7M 4,9
Santa Teresa tem a preocupação de fazer andar
juntas Marta e Maria. O Senhor quer hospedagem, é necessário que o acolhamos, o
demos de comer e em seus pés nos coloquemos à escuta. Assim seremos verdadeiros
discípulos, carmelitas fieis na contemplação e ação.
Teresa termina de escrever no Mosteiro de São
José de Ávila, na vigília de Sto André em 1577, somente o fez para glória de
Deus.
Fontes
bibliográficas:
Santa Teresa de Jesus, Castelo interior ou
Moradas - Ed.Paulinas
Álvarez, Tomás- Comentário ao castelo
interior- traduzido por Frei Antonio Perim
Material diverso de estudo elaborado por Frei
Debastiani, Alzinir OCD
Menezes, Ana Geórgia Bezerra de e Frei Sciadini, Patricio
OCD- As Moradas do Castelo Interior.